2023-05-04

Entrevista | Medidas nas zonas demarcadas de Xylella fastidiosa são duras e há produtores em situações muito delicadas

Ana Lúcia Martins dos Santos, de 39 anos, é Engenheira Florestal, especializou-se em Fisiologia Molecular de plantas e Propagação de plantas (Mestrado) e é Técnica Superior na Associação de Viveiristas do Distrito de Coimbra (AVDC), filiada na CNA.

A AVDC foi criada em 2003 para fazer face a uma lacuna nacional na oferta de material de multiplicação vegetativa de citrinos e outras fruteiras que desse não apenas garantias varietais, mas também garantias fitossanitárias.

 

Que tipo de produtos são comercializados e que tipo de clientes têm?

Os nossos clientes são fundamentalmente viveiristas – produtores de fruteiras. Os produtos comercializados são, entre outros, sementes, porta-enxertos e borbulhas de categoria certificada e/ou CAC de citrinos, prunóideas, pomóideas e plantas de origem internacional (planta pequena para “engorda”, porta-enxertos, entre outras).

 

Já detectaram a Xylella fastidiosa nas vossas instalações?

Até há data, ainda não foi detectada. A testagem obrigatória decorreu no mês de Setembro, em todas as plantas mãe de amendoeira que dispomos no campo de multiplicação de borbulhas e os resultados foram negativos.

 

De momento não existem meios de luta directa contra este agente biótico nocivo, pelo que as medidas de luta assentam principalmente na prevenção. Que tipo de prevenção é feita por vós?

Relativamente aos materiais que produzimos, até há pouco tempo o único tipo de prevenção que fazíamos era controlo de infestantes. Refiro-me fundamentalmente a plantas mãe de borbulhas de cerejeira, ameixoeira, amendoeira e diospireiro e aos porta-enxertos de pessegueiro e diospireiro. As plantas mãe de citrinos e porta-enxertos já são produzidas em ambiente protegido.

Os materiais adquiridos externamente, porta-enxertos, plantas de pequenos frutos, entre outras, trabalhamos apenas com viveiros devidamente licenciados e as plantas circulam com passaporte fitossanitário, o que nos garante algum grau de segurança.

Com o substancial aumento de focos pelo país decidimos que apenas produziremos em abrigo, dado que já temos condições para tal.

No entanto tal não é garantia de que estamos a salvo do problema, mas efectivamente é uma forma de prevenção, do que conseguimos saber, a única até ao momento.

 

Os agricultores/produtores florestais têm-se queixado do aumento dos custos dos factores de produção, vocês têm sentido esses impactos?

Muito. De uma maneira geral todos os factores de produção subiram bastante e o mercado não está preparado para ver esses aumentos reflectidos nos preços dos produtos/plantas.

 

Existe algum apoio financeiro disponível para os agricultores/ produtores florestais afectados pela Xylella fastidiosa?

Não existe qualquer apoio para as plantas destruídas e para as plantas que ficam impedidas de comercialização.

O único apoio que existiu foram 3 medidas do PDR2020, o que honestamente é muito pouco quando comparado com os custos/ prejuízos associados. Os apoios são muito limitados e não reflectem nem as necessidades a nível nacional, nem os preços reais dos materiais à data, para além de toda a burocracia associada que na grande parte das vezes é o factor principal para a desmotivação na candidatura.

 

O que podem os agricultores/produtores florestais fazer para impedir a propagação de Xylella fastidiosa?

Manter as suas parcelas/viveiros limpos de vegetação espontânea onde se alojam os vectores da doença e comprar apenas em locais devidamente licenciados, mais do que isto parece-me difícil de executar pelos agricultores/produtores.

 

Que perspectivas tem em relação ao futuro?

As medidas nas zonas demarcadas são muito duras e haverá produtores em situações muito delicadas, uma vez que veem o resultado do seu trabalho impedido de gerar retorno.

E apesar disso, nos países onde já se detectou Xylella não há relatos de que as medidas de erradicação tenham surtido efeito. Há para mim um contra-senso nas medidas, uma vez que da mesma maneira que se destroem plantas de viveiro com análises negativas ou sem sequer se confirmar o seu estado sanitário, não se destroem árvores apenas porque são consideradas com valor histórico.

Parece-me óbvio que as medidas impostas necessitam de ser revistas, até porque existem ferramentas que nos dão garantias que as plantas estão isentas de doença – as análises laboratoriais.

Relembro que a lista de hospedeiros é vasta e que para cumprir as regras de erradicação e para estas surtirem de facto efeito seria necessário destruir todas as ervas, arbustos e plantas e árvores de norte a sul do país, acabar com a produção de uma vasta lista de fruta e entre outras.

A chave estará na convivência com o problema, como já acontece com outras doenças, apostando fortemente no controlo dos vectores.

Paralelamente apoiar estudos que já existem e que aparentemente dão algumas garantias de que as plantas conseguem tolerar a doença sem prejuízo da sua produção.

 

Entrevista publicada na Voz da Terra n.º 112 (Janeiro/Fevereiro 2023)

Saiba mais sobre a Xylella fastidiosa no Artigo Técnico publicado na mesma edição.