2022-12-17

Quatro anos da Declaração dos Direitos dos Camponeses

 

É urgente um procedimento especial da ONU para alcançar justiça social, equidade e igualdade

 

(Comunicado de Imprensa Via Campesina - Bagnolet, Paris, 16 de Dezembro de 2022) Por ocasião do quarto aniversário da adopção e reconhecimento internacional dos direitos humanos dos camponeses e outras pessoas que trabalham em zonas rurais, que se assinala a 17 de Dezembro, reflectimos sobre os passos que temos dado para a plena aplicação e cumprimento dos direitos dos camponeses.

A 17 de Dezembro de 2018, a Assembleia Geral da ONU adoptou a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Camponeses e Outras Pessoas que Trabalham em Zonas Rurais (UNDROP), iniciando um novo capítulo para atender às necessidades e interesses dos camponeses e garantir o respeito pelos seus direitos.

É importante ressaltar desde já que a implementação da UNDROP está em andamento de várias formas, embora não na escala e com a urgência desejada, em muitas regiões e países [1].

É difícil responder à questão de até que ponto os Estados estão a assegurar os direitos consagrados na UNDROP a nível local. O actual contexto geopolítico global é marcado por uma preocupante falta de vontade política para defender os direitos humanos. O capitalismo desenfreado, os conflitos prolongados e a crise climática continuam a aprofundar as desigualdades; desde a adopção da UNDROP em 2018, o mundo passou por uma crise após a outra. Nos últimos quatro anos, o número de pessoas subnutridas aumentou cerca de 200 milhões. Centenas de defensores ambientais e comunitários foram mortos defendendo os direitos territoriais dos seus povos contra a apropriação por grandes empresas e interlocutores estatais. Sob a nuvem da pandemia do COVID-19, os direitos dos trabalhadores foram severamente corroídos. Em vez de os Estados cumprirem a sua obrigação de salvaguardar os direitos das pessoas marginalizadas e de garantir um ambiente propício para lidar com essas crises interligadas, muitos governos “assobiam para o lado” enquanto as empresas lucram com o desespero.

As falsas soluções das multinacionais para a crise climática (conhecidas como “soluções baseadas na natureza” ou neutralidade zero), como os mercados de carbono e compensações são disso um exemplo flagrante. Essas soluções acarretam perdas terríveis para agricultores, povos indígenas, pescadores, pessoas que habitam em zonas florestais entre outras que estão na linha da frente da crise climática global. Em vez de abandonar a agricultura industrial baseada em combustíveis fósseis e apoiar a Soberania Alimentar e a Agroecologia Camponesa - as verdadeiras soluções para as crises actuais - muitos governos e líderes continuam a apoiar os poluidores em prol da segurança económica de curto prazo.

Mulheres, jovens, diversidades sexuais e de género, migrantes, trabalhadores rurais e outras pessoas vulneráveis, especialmente aquelas que vivem em áreas rurais, carregam o peso do abandono e negligência do Estado. A violência em várias formas aumentou contra esses grupos à medida que a crise se agrava. Mais e mais meninas são forçadas a casar, os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres são gravemente violados e é-lhes negado o acesso a serviços básicos de saúde.

Tendo em conta as graves injustiças contra os camponeses, as suas famílias e outras pessoas que trabalham nas zonas rurais, a La Via Campesina (LVC) pede aos governos que acelerem a implementação da UNDROP a todos os níveis. Esta implementação é importante porque permite aos camponeses melhorar os seus meios de subsistência, fortalecer a Soberania Alimentar e a Agroecologia Camponesa, fortalecer a luta contra a crise climática e enfrentar a criminalização das nossas lutas.

Portanto, a LVC apresenta reclamações concretas para que a UNDROP seja uma realidade vivida pelas nossas comunidades.

 

Exigência de um Procedimento Especial da ONU sobre a UNDROP

A implementação da UNDROP só acontecerá através da integração e monitorização a nível internacional. Por isso, a LVC e os seus aliados estão a liderar a luta pela criação de um Procedimento Especial nas Nações Unidas. Se for criado, este mecanismo permitirá uma implementação efectiva através de uma maior integração e supervisão ao nível internacional. Convocamos todos os nossos aliados, organizações membro e activistas a aumentar os seus esforços de advocacia nos seus países e nos órgãos da ONU em apoio à criação do Procedimento Especial da UNDROP na sessão do Conselho de Direitos Humanos na ONU agendada para Março de 2023. Apelamos a todos os países para que apoiem as comunidades camponesas e participem na criação deste novo mecanismo de monitorização da ONU.

Para construir sociedades melhores e socialmente justas, precisamos urgentemente de uma mudança transformacional de sistemas destrutivos e lucrativos para sistemas centrados nas pessoas que trabalham em harmonia com a natureza. Um Procedimento Especial da ONU sobre a UNDROP criará um mecanismo para começar a identificar tanto as violações de direitos quanto as soluções sistémicas: acreditamos que isso desempenhará um papel importante no processo de transformação.

O Procedimento Especial, localizado no Conselho de Direitos Humanos, poderia incluir um Grupo de Trabalho de Especialistas ou uma Relatoria Especial da ONU que serviriam como mecanismos de acompanhamento da UNDROP, permitindo a supervisão da situação dos direitos humanos de camponeses e outras pessoas que trabalham em zonas rurais em diferentes países, e proporcionar um espaço de discussão e troca de ideias sobre boas práticas entre os Estados e entre os Estados e a sociedade civil (particularmente as organizações constituídas por titulares de direitos).

 

O que estamos a fazer?

As organizações membro da LVC em todo o mundo levaram a UNDROP até às bases aos níveis  nacional e local com acções directas, formações e a criação de materiais populares da UNDROP. Continuaremos os nossos esforços para traduzir a UNDROP e materiais para os idiomas locais para aumentar a compreensão e apropriação desta ferramenta de combate crucial. Convocamos os nossos membros, detentores de direitos e aliados a continuarem a consciencialização e a usarem a UNDROP como uma ferramenta nas suas lutas diárias. Cite e faça referência à UNDROP em cada oportunidade disponível, discuta-a em reuniões, apresente-a a advogados e funcionários do governo e relacione-a com contextos particulares e comunitários. Espalhar a palavra sobre a UNDROP no nível de base é uma maneira poderosa de criar um impulso para a mudança.

 

A caixa de ferramentas de educação popular da UNDROP já está pronta!

Entre 2021 e 2022, a LVC com a FIAN Internacional desenvolveu um conjunto de ferramentas de educação popular da UNDROP para aumentar a consciencialização, promover uma compreensão mais profunda e aumentar as capacidades por meio da formação de movimentos populares rurais para usar efectivamente a UNDROP para afirmar e promover os nossos direitos colectivos e individuais. O kit de ferramentas, em três idiomas (inglês, francês e espanhol), é composto por cinco livretos, um vídeo explicativo, um guião de áudio e memes. Esta caixa de ferramentas desempenhará um papel crucial para voltar a ligar a UNDROP com os pequenos produtores e produtoras de alimentos de todo o mundo, as mesmas pessoas que inspiraram o seu conteúdo, que trabalharam para desenvolvê-lo e que continuam a ver serem violados os seus direitos a uma vida e meios de subsistência com dignidade.

 

Um novo espaço web para partilhar as experiências da UNDROP

Este mês, LVC, FIAN, CETIM e a Academia de Direito Internacional Humanitário e Direitos Humanos de Genebra têm o prazer de lançar um site compartilhado dedicado à UNDROP: Defending Peasant Rights: Platform for Camposant Struggles in Action! – uma base de conhecimento abrangente em três idiomas para compartilhar exemplos de UNDROP em acção.

Neste 17 de Dezembro, celebramos os esforços do nosso movimento para defender e implementar a Declaração e convocamos os governos a tomarem medidas urgentes para a sua ampla adopção e aplicação. Não há mais tempo a perder: os camponeses e outras pessoas que trabalham nas zonas rurais são a base dos nossos sistemas agrícolas e alimentares e precisam dos seus direitos protegidos e defendidos. Precisamos dos direitos dos camponeses AGORA!

[1] Bolívia, Canadá, Cuba, Colômbia, Indonésia, Nepal, Palestina, etc. A UNDROP serviu de base para formular recomendações e sentenças sobre a aplicação de medidas correctivas no Paraguai e na Argentina.