2022-07-20

Exige-se outra resposta para a seca em Portugal

Na altura em que se iniciavam os trabalhos de preparação das culturas de Primavera-Verão e em que os pastos já se reclamavam enfraquecidos ou mesmo já sem pastos naturais (como no Alentejo), em Março é declarada situação de seca extrema ou severa em todos os distritos de Portugal (pelo menos parcialmente).

Hoje 100% do continente está em seca extrema ou severa.

As culturas de Outono-Inverno (cereais, trigo, centeio) nasceram pouco e algumas acabaram por não vingar, revelaram-se safras muito fracas, com pouca vitalidade, pouca produção e pouco rendimento. Nas culturas permanentes, como o amendoal de sequeiro, a produção viu-se comprometida pela seca durante o período de floração, ausência de desenvolvimento de fruto e a produções muito mais reduzidas.

Houve situações em que os agricultores se viram proibidos do acesso à água para produzir, como é exemplo a Barragem da Bravura no barlavento algarvio.

Na produção animal há falta de alimentação para o gado, as pastagens que não se desenvolveram devidamente têm de ser substituídas pela alimentação que estava guardada para o Verão e, na sua ausência, pela compra de palhas e rações para animais a preços especulativamente elevados. Para além disso, garantir o abeberamento animal está comprometido em muitas regiões, com charcas ou furos com muito baixo nível ou já esgotadas (o que implica maior consumo de energia) e linhas de água secas. Particularmente a situação dos produtores pecuários é profundamente preocupante com muitos a diminuírem os efectivos, para reduzir os custos, ou mesmo a cessar a actividade. O sector pecuário foi dos mais afectados pela pandemia, não nos podemos esquecer disso.

É certo que o Governo não manda chover, mas exige-se uma outra resposta por parte do Governo, especialmente do Ministério da Agricultura.

Mais do que medidas administrativas que antecipam direitos adquiridos, flexibilizam restrições, de programas de investimento ou medidas que arriscam aumentar o endividamento, são necessários e urgentes apoios financeiros extraordinários para os agricultores que se encontram asfixiados devido ao aumento de despesas com a alimentação animal ou com a rega, agravadas pela subida brutal, nos últimos meses, dos preços das rações, dos adubos e dos fertilizantes, do gasóleo ou da electricidade.

Estamos a 15 de Julho* e os agricultores que se candidataram à antecipação das ajudas PAC, depois de muitas promessas não cumpridas, só as receberam no início desta semana, num processo profundamente burocratizado. Foi esta a única medida que chegou ao terreno, tarde e às prestações, e com dinheiro que já era dos agricultores.

Para salvar a agricultura é mesmo preciso dinheiro novo para apoiar a agricultura familiar. 

Exige-se, por isso, e no imediato, que sejam implementadas medidas que venham reforçar a capacidade financeira dos agricultores e que passem pela atribuição de ajudas a fundo perdido pela perda de rendimentos e capazes de repor o potencial produtivo onde este tenha sido afectado.

Pela desastrosa situação que se vive, em especial o sector pecuário, reclamamos, ainda, a criação de ajudas à alimentação animal para minimizar as dificuldades decorrentes da escassez de pastagens, fenos e palhas, e dos elevados custos com rações – sem esquecer a alimentação das abelhas afectadas pela diminuição da floração.

E é necessário começar já a colmatar constrangimentos futuros, nomeadamente na recuperação, manutenção e eficiência  de regadios existentes e nos investimentos necessários para garantir água para a agricultura.

Igualmente, é necessário criar condições para o reforço do Ministério da Agricultura para que esteja dotado dos recursos para apoiar os agricultores face a situações extremas, que se estima cada vez mais frequentes, e para agir de forma planeada e atempada sempre que se verifiquem situações semelhantes e não andar, de forma reactiva, a correr atrás do prejuízo, com medidas saídas a conta-gotas e, ainda por cima, insuficientes.

Importa ainda sublinhar que as medidas devem ser adoptadas de forma célere, desburocratizada e desenhadas de modo a não deixar de fora os agricultores que delas precisam.

E bem sabemos que, dadas as dificuldades que se vão acumulando, serão sobretudo as pequenas explorações da Agricultura Familiar a ficar pelo caminho e, sem elas, ficam os territórios rurais mais susceptíveis aos efeitos das mudanças do clima e a fenómenos extremos como os grandes e violentos incêndios a que temos assistido nos últimos dias.

* Intervenção da dirigente da CNA Laura Tarrafa, a 15 de Julho, na Assembleia da República, na Audição sobre “Pro­dução de ali­mentos, agri­cul­tura e so­be­rania ali­mentar – um de­sígnio na­ci­onal” promovida pelo Grupo Parlamentar do PCP e em que participaram diversas organizações de agricultores.