2021-06-13

Um campo com direitos: A luta das mulheres Agricultoras e rurais

Nota: Intervenção em representação da Associação das Mulheres Agricultoras e Rurais Portuguesas (MARP) no Seminário Internacional "As mulheres e o mundo do trabalho em Portugal e na Europa" (28 de Maio de 2021)

 

Por Laura Tarrafa

O que produzir?

A quem vender?

E a que preço?

São estas as questões centrais que assolam as Mulheres que garantem o pão na mesa. Todos, todos os dias.

Um Portugal Agrícola que se identifica como resiliente, moderno e disruptivo, mas que não concretiza os direitos de quem trabalha a terra e não garante a segurança e a qualidade alimentar das populações e a Soberania Alimentar do País.

Os preços pagos à produção são tão baixos que não é raro não compensarem o trabalho. Poderá dizer-se que “pagamos para trabalhar”. Vejamos o exemplo das produções leiteiras, sector que mais se modernizou após a entrada na CEE, mas que continua com preços velhos, 0,29€/l, o mais baixo da União Europeia. Não fosse esta realidade o suficiente, os preços dos factores de produção continuaram a aumentar, nomeadamente no acesso à terra (hipervalorizados com investimentos como as centrais fotovoltaicas), nos combustíveis, nas rações, nos fertilizantes, …

Quem se aguenta no sector, luta para garantir o rendimento das explorações e das famílias camponesas. E são, de uma forma expressiva, as mulheres. Não esquecendo que o trabalho das mulheres (no campo, em casa e na vida) é muito invisibilizado e por isso muito precarizado, o Recenseamento Agrícola (2019) indica que as mulheres dirigem 15% das sociedades agrícolas e constituem 33% dos produtores singulares, maioritariamente no Norte, Centro e Madeira, onde domina o minifúndio.

Na MARP analisamos com preocupação a pandemia de Saúde Pública que afecta o Mundo e em especial os impactos na vida das mulheres agricultoras e rurais. É que as políticas não foram alteradas, pelo contrário, fortaleceram o apoio ao grande agronegócio. Numa altura em que no escoamento da produção se fechavam canais fundamentais para a produção agrícola familiar, como os restaurantes ou os hotéis, o Ministério da Agricultura privilegiava a conversa com as cadeias da grande distribuição e encerrava os mercados e as feiras ou, numa segunda fase, responsabilizava as autarquias. Muitos ao ar livre, onde a adopção das medidas de segurança dos produtores e dos consumidores era perfeitamente adaptável, houvesse vontade política (como algumas tiveram). Mas claro está, tudo em nome da saúde pública.

Não obstante a dura vida de trabalho, esta vida muitas vezes prolonga-se já na idade da reforma, por amor à terra e à família. Com dizia uma amiga de Viseu no último sábado “É que a produzir sabemos o que comemos, mesmo que saia mais caro”.

Idade da reforma, sim. Porque são poucas as que têm direito a uma. Depois de uma vida de trabalho, com oscilações no rendimento da família, é quase sempre a mulher que deixa de descontar e hipoteca o seu futuro de direito ao descanso. É por isso a luta por um regime de segurança social especial para a Agricultura Familiar, no âmbito do seu Estatuto, que urge concretizar, com a força das Mulheres Agricultoras e da sua organização, a MARP.

Não fossemos nós mulheres do campo, os problemas da ruralidade não se somariam.

Transportes, escolas, centros de saúde, cultura e outros serviços continuam a ser um problema ou uma ausência. É desigualdade na vida, e a igualdade na lei.

Não aceitamos que, continuem a não existir médicos, enfermeiros e outros técnicos de saúde nos centros de saúde. Muito menos aceitamos que estejam encerrados ainda mais numa situação de pandemia.

Não aceitamos que os transportes sejam suprimidos com a escola em casa e que uma deslocação à vila mais próxima fique mais cara do que o necessitamos de comprar. Muitas vezes temos de ir de táxi.

Não aceitamos que as nossas crianças, com a “escola em casa”, e com fraca cobertura de internet ou por falta de material informático estejam a condenar o seu futuro.

Dissemo-lo na Manifestação Nacional de Mulheres no Porto e Lisboa sob o lema “Não há desculpa – viver direitos, vencer violências” à qual somamos “semear esperança, cultivar direitos para viver melhor!”

E reafirmá-lo-emos no dia 14 de Junho em Lisboa, na Manifestação Nacional por uma Política Agrícola Comum que defenda a Agricultura Familiar e o Mundo Rural, convocada pela CNA – Confederação Nacional da Agricultura.

  • Reafirmamos o direito a produzir e a uma alimentação de qualidade, que exige a valorização dos preços à produção nacional;
  • Reafirmamos a importância de garantir o escoamento da produção pela valorização de mercados e feiras, locais privilegiados da venda de produtos agrícolas e factores de produção, alicerces da Agricultura Familiar, assegurada muitas vezes pelas mulheres. E exigimos que se assuma como prioritária a aquisição de alimentos à Agricultura Familiar no abastecimento das Cantinas Públicas.
  • Pela Concretização do Estatuto da Agricultura Familiar e por um regime de segurança social adaptado à realidade das mulheres agricultoras e rurais que nos faça sair de situação de vida profundamente precária.
  • Garantir os serviços públicos às populações.

Lutamos para continuar a viver nas nossas aldeias e vilas. Somos a vida que anima o Mundo Rural e a força que alimenta o Mundo.