2021-04-30

Portugal precisa de uma verdadeira reforma na aplicação das regras da PAC

Nota: O presente texto é a intervenção do dirigente da CNA Pedro Santos na Audição Pública sobre a PAC promovida pela Comissão de Agricultura e Mar da Assembleia da República que decorreu a 6 de Abril de 2021.

 

Muito bom dia a todos. Agradeço, desde já, aos Senhores Deputados e à Comissão de Agricultura e Mar a realização desta Audição e também o convite que foi feito à CNA para participar.

Cumprimento os Senhores Deputados e os restantes participantes e quem nos acompanha pelo Canal Parlamento.

Permitam-me que comece por dizer que fez este fim-de-semana quinze anos que morreu Joaquim Casimiro. A CNA está hoje a assinalar esta data e, mesmo não estando eu presente na evocação, não poderia deixar de me associar e prestar homenagem a Joaquim Casimiro que foi um abnegado construtor do Movimento Associativo da Lavoura e da CNA e um firme defensor da Agricultura Familiar Portuguesa.

Dizer, também, que 2020 foi um ano muito difícil para todos e muito complicado para os agricultores. Quer pela dificuldade no escoamento de alguns produtos quer pela redução, em quase todos os sub-sectores, dos preços ao produtor. O primeiro trimestre de 2021 não trouxe melhorias significativas. Tal como em 2020, de um dia para ou outro, com o encerramento da restauração, muitos pequenos e médios agricultores ficaram sem conseguir vender os seus produtos.

Estamos a falar de um sector que nunca parou, que também esteve e está na linha da frente do combate a esta pandemia, produzindo alimentos de qualidade para alimentar a nossa população.

Um sector que, mesmo não tendo parado, tem tido prejuízos elevados fruto das medidas do confinamento, e com o arrastar dessas medidas ao longo do tempo as situações vão-se tornando insuportáveis.

Conhecem-se bem as produções afectadas, não as vou referir aqui todas, mas apenas dar o exemplo do sector pecuário, que agora com o aumento dos preços dos cereais, e por consequência o aumento do preço das rações, está a ser, mais uma vez, prejudicado – é somar crise à crise.

São precisas, por isso, mais medidas de apoio. A Senhora Ministra da Agricultura tem feito o discurso dos milhões para os agricultores (assistimos a esse discurso nesta casa não há muito tempo), mas na verdade apenas uma pequena parte desses apoios foram, de facto, medidas excepcionais, as restantes verbas são as ajudas normais da PAC.

No que diz respeito à reforma da PAC e mais concretamente nos efeitos da PAC pós 2020 no sistema produtivo, a primeira questão que a CNA considera que pode ter um efeito muito negativo nos sistemas produtivos nacionais está relacionada com a organização do mercado, mais concretamente com o rendimento que os agricultores conseguem obter pelo exercício da sua actividade.

O que se tem assistido é o percorrer de um caminho (e que vai continuar a ser percorrido) em que os mecanismos e medidas de intervenção dos Estados no mercado são poucos ou nenhuns, o que deixa desde já antever que a política de preços baixos aos produtores vai continuar, política essa que tem levado à ruína milhares agricultores familiares em Portugal e por essa Europa fora.

Os fenómenos de concentração da produção em grandes grupos económicos abundam e assistimos hoje, também em Portugal, a uma monopolização de toda fileira agropecuária, por exemplo, com a entrada da grande distribuição na produção primária. O facto é que apenas uma grande empresa pode controlar todo o circuito do prado ao prato e os agricultores são transformados em produtores de matéria-prima ao mais baixo custo, esmagando assim o seu já diminuto rendimento. Para a resolver este problema esta reforma mais uma vez nada diz, nada propõe e ignora até que a situação existe.

Dizer, Senhores Deputados, que esta é uma preocupação que não é só da CNA pois está patente nas respostas dadas pelos cidadãos europeus aquando da consulta pública feita pela Comissão. O facto é que, com esta PAC e com estas propostas, não vamos melhorar a distribuição de valor ao longo da cadeia, já que a orientação é para mais do mesmo, e isso é uma ameaça ao desenvolvimento da Agricultura e do mundo rural e que, como já referi, vai continuar a ter um impacto negativo nos sistemas produtivos agropecuários.

Senhores Deputados, no momento em que nos encontramos a discussão prende-se já com a elaboração do Plano Estratégico Nacional da PAC que irá reger a aplicação da PAC em Portugal nos próximos anos. Para a CNA, Portugal precisa de uma verdadeira reforma na aplicação das regras da PAC. Consideramos essencial o apoio e desenvolvimento da actividade de milhares de pequenos e médios agricultores, ou seja, de colocar no centro da política a Agricultura Familiar.

Só assim poderemos garantir um desenvolvimento sustentável do sector (economicamente, ambientalmente e socialmente). A CNA defende que a nova PAC e o PEPAC incorporem o seguinte:

  • Uma verdadeira aposta nos circuitos curtos de comercialização a começar pelas compras públicas – é uma medida muito importante para a qual o PEPAC também deve ajudar a concretizar, por exemplo, no apoio à organização dos agricultores.
  • Na questão das ajudas, a primeira prioridade deve ser a de apoiar os milhares de pequenos e médios agricultores que ainda ficam de fora dos apoios da PAC (muitos deles foram sendo excluídos ao longos dos anos). As ajudas devem ser atribuídas apenas a quem produz. Para concretizar esta opção a definição de agricultor activo ou agricultor genuíno deve contemplar actividades mínimas.
  • O novo PEPAC deve contribuir para uma melhor equidade na distribuição das ajudas. Hoje fala-se muito em equidade, mas uma equidade analisada ao hectare, como se um ha de terra nos solos pedregosos da Serra da Estrela fosse igual a um ha da lezíria do Tejo, ou que uma exploração de 1000 ha tivesse as mesmas condições de produção e comercialização que uma de 1 ha. O que a CNA defende é uma equidade entre agricultores e regiões do País, onde a área não seja o único critério para atribuir ajudas. Assim, a CNA defende a aplicação dos mecanismos de modulação e plafonamento das ajudas, assim como uma aplicação efectiva do pagamento redistributivo.
  • O novo PEPAC deve prosseguir o reforço do RPA – hoje cerca de 55 mil agricultores usufruem deste regime e podem vir a ser muitos mais. Esta é a única medida que não permite novas entradas desde 2015, até para o Modo de Produção Integrada irá existir uma nova solução em 2022!
  • Ao nível ambiental as medidas agroambientais e os Ecoregimes devem valorizar todo um sistema produtivo e não uma pequena prática. Referimos a importância dos sistemas policulturais e da necessidade de os apoiar.
  • No que diz respeito ao Desenvolvimento Rural a CNA começa por realçar a importância das medidas de apoio à manutenção da actividade em zonas desfavorecidas. São mais de 100 mil agricultores que são apoiados, têm uma grande importância para o território e por isso são medidas que devem ser mantidas no próximo Quadro.
  • No apoio ao investimento a simplificação de procedimentos e o aumento das taxas de comparticipação para a Agricultura Familiar são essenciais.
  • No rejuvenescimento da Agricultura será muito importante assegurar a manutenção dos jovens após os 5 anos obrigatórios, sendo para isso fundamental garantir um rendimento estável a par do acesso a serviços públicos de proximidade.
  • O PEPAC deve ainda apostar de forma inequívoca na transferência de conhecimento com a valorização do Aconselhamento Agrícola.

Para finalizar, três questões:

A primeira sobre o período de transição e as decisões que já foram tomadas e que comprometem todo o próximo Quadro, nomeadamente a opção de transferir verbas do Desenvolvimento Rural para as ajudas directas com o objectivo de “financiar” a opção pela convergência interna a 100% dos direitos do RPB em 2026.

Sobre esta questão, primeiro dizer que, com a opção de um pagamento uniforme, não estamos a eliminar históricos, já que o número de direitos é mantido, apenas o valor de cada direito é que, de facto, muda.

Depois, podem fazer todas as simulações, o certo é que, e os dados não são nossos, são do GPP, já em 2022, 200 explorações (as que têm mais de 1000 ha) em Portugal vão estar a receber mais 9 milhões de euros por ano só de RPB!

A CNA não pode estar de acordo com este tipo de alterações, está sim de acordo com o aumento do Regime da Pequena Agricultura e do pagamento redistributivo, e considera que o financiamento destes acréscimos não pode ser realizado à custa do Desenvolvimento Rural.

A opção de transferir 82 milhões de euros do Desenvolvimento Rural para o primeiro pilar vai fazer desaparecer mais de 700 milhões de euros do novo PDR, entre FEADER mais a comparticipação nacional. Se a opção for os 30 % são mais de 1,2 mil milhões de euros a menos para o Desenvolvimento Rural no próximo quadro.

Senhores Deputados, para que a discussão seja séria temos todos de saber os impactos desta redução nas medidas em concreto. O Ministério da Agricultura tem de esclarecer onde vai cortar: é no investimento? É nas florestas? É nas medidas de apoio à manutenção de actividade em zonas desfavorecidas?

Só conhecendo estes valores podemos avaliar os verdadeiros impactos desta opção.

O que CNA espera é que esta opção não seja meramente financeira e tenha como objectivo poupar 140 milhões de euros ao Orçamento do Estado, já que a verba transferida não necessita de comparticipação nacional. Assim, estamos a aguardar que o Governo informe onde vai aplicar estes 140 milhões de euros. Propostas não lhe faltam!

Ainda sobre o período de transição, e entrando na segunda questão, consideramos inconcebível que os agricultores ainda não conheçam as decisões nacionais para 2022, o que foi apresentado foi apenas para presente ano. É certo que, em termos regulamentares, Portugal ainda está dentro do prazo, mas agora que tanto se fala em previsibilidade não ser capaz de decidir a dois anos não se compreende.

Dizem-nos que irá existir um novo apoio para os cereais, mas ninguém sabe o que irá ser a medida e os impactos nos restantes pagamentos ligados que uma nova medida pode causar. Refere-se que irá existir uma medida para substituir a Produção Integrada, mas ninguém sabe como vão ser a regras a cumprir.

A terceira questão está relacionada com o orçamento da PAC para o próximo quadro financeiro plurianual. Portugal, nos próximos sete anos, irá receber em termos nominais o mesmo valor que no quadro passado, mas incluídas as verbas do Instrumento de Recuperação da União Europeia, criado para ultrapassar a crise.

O que se conclui neste âmbito é que os agricultores contam para os próximos 7 anos exactamente com a mesma verba que tinham à sua disposição nos 7 anos anteriores, apesar da Agricultura e ser um dos sectores que mais adaptações terá de fazer nos próximos anos em resposta ao Pacto Verde Europeu e apesar de ser um dos sectores mais afectados pela pandemia, e ainda têm de ultrapassar uma enorme crise…

A PAC e as suas sucessivas reformas não têm promovido o desenvolvimento da Agricultura Familiar, antes pelo contrário, é toda uma política orientada para uma agricultura de muito grande dimensão altamente industrializada que tem levado à ruína milhares de pequenos e médios agricultores. É também por isso que Portugal precisa, de facto, de uma nova PAC, uma PAC que apoie a Agricultura Familiar e assim promova o desenvolvimento do mundo rural.

Pedro Santos

Dirigente da CNA