2020-10-28

Passados três anos após o Fogo Grande de 15 e 16 de Outubro de 2017 na nossa Região ainda são mais visíveis os danos na Floresta que a sua recuperação

Por João Dinis

Lamentavelmente, em milhares de hectares ardidos, continuamos a ver muitos e muitos milhares de (ex) árvores – sobretudo pinheiros – ainda de pé apesar de amputadas de pernadas e de casca, mesmo de parte do próprio tronco. À média luz do início e do fim do dia, essas (ex) árvores parecem fantasmas esqueléticos a implorar aos céus redenções que não mais chegam. Reacendem-nos, sempre, aquela traumatizante sensação do desastre, sensação gravada em nós, naquela noite que não deveria ter acontecido, pelo Fogo Grande a destruir a Natureza e os teres e haveres. E a matar Gente.

Enfim, desde o solo, tentam medrar – e, em geral, já levam até metro, metro e meio de altura – os pinheiritos da regeneração natural. Os eucaliptos, mais apetrechados pela Natureza e mais ágeis no crescimento, aceleram a recuperação rapidamente. Aliás, são com eucalipto os maiores e mais frequentes (embora em número globalmente reduzido) projectos de reflorestação que se foram consumando no terreno.

Pelo meio, por encostas e vales, avança a Mimosa, outra “máquina” preparada pela Natureza para se aproveitar das oportunidades que encontra antes e após os incêndios. E a Giesta, as Silvas e os Tojos utilizam à vontade todo o espaço disponibilizado e a luz do Sol também que agora não há as árvores a “pastar” os nutrientes do solo e não há as suas copas a “filtrar” a luz e o calor do Sol e a luz da Lua…

A cinza dos incêndios é o fertilizante mais geral e eficaz. Apenas três anos depois do Fogo Grande, estão já a formar-se espaços impenetráveis, com Giestas com três e mais metros de altura, com troncos grossos como braços e “tecidas” com tojos e silvados agressivos. É impressionante! Desta forma, “preparam” já o próximo fogo grande que vai ser rápido e a varrer tudo… Bastas vezes, apenas se lá entra, nesses espaços, com recurso ao tractor com destroçador a “esmigalhar” e à motosserra a cortar… Mas este tipo de intervenção humana acontece em áreas muito pouco significativas tendo em conta a dimensão brutal do ardido em 2017. E a Natureza, por si só, não vai resolver estes problemas que precisa de ser conduzida e controlada em matéria de reflorestação.

Reflorestar – eis a questão - em respeito por um Ordenamento Florestal mais correcto

e em respeito pelo direito de propriedade na Região de minifúndio e pelas Populações

É sabido que um Pinheiro dá uma tocha de resina a arder e que o Eucalipto dá uma tocha de óleo… Portanto, para evitar estes “problemas” naturais, haja muita sabedoria e apoios dirigidos para operar a indispensável Reflorestação através de um correcto Ordenamento Florestal – com as espécies de novas árvores a plantar, onde as plantar e até como plantar.

Sim, é necessário inverter estes processos de erosão, a alta velocidade, de solos percorridos por Incêndios… É necessário atribuir Ajudas Públicas com prioridade e melhores condições de acesso à Reflorestação para uso multifuncional da nova Floresta… É indispensável impedir milhares e milhares de hectares seguidos com monoculturas florestais para finalidades “cegamente” industriais…

É evidente que a propriedade muito fragmentada do minifúndio dificulta operações de envergadura com reflorestação conduzida e bem ordenada. E, de facto, é um obstáculo à “gestão activa” das Propriedades Rurais, a falta de Gente no Mundo Rural conjugada com o desânimo e a falta de recursos da maioria dos ainda residentes e proprietários rurais. 

De notar que até foram e são “teoricamente” interessantes – são várias e com altas percentagens de co-financiamento público – as Ajudas Públicas que foram sendo definidas – PDR 2020 e não só – para projectos com acções de reflorestação. Então porque não houve adesão significativa a projectos de reflorestação nesse âmbito, à excepção de alguns projectos grandes de tipo empresarial/industrial?

Acresce que os continuadamente baixos preços da Madeira na Produção são um e estruturante elemento a pesar muito negativamente na situação. 

Aliás, estas circunstâncias – baixos rendimentos, falta de Gente, falta de recursos próprios, falta de dinâmica – vão ser das mais difíceis de ultrapassar e, ainda por cima, estão na base de outros mais problemas “pesados” que afectam o Mundo Rural.

Por isso, a par de alterações estratégicas na atribuição dos recursos, designadamente dos recursos públicos do Estado (do Governo e mesmo das Autarquias), terá que haver muita sabedoria institucional e experiência prática para colocar vários vectores a interagirem rumo a (outros) fins pré-determinados no âmbito do ordenamento florestal, região a região.  

Sim, para reflorestar a preceito e sem mais perda de tempo, é precisa muita sabedoria para se definir e programar estratégias e para se planificar e fazer intervenções no terreno - com eficácia. Isto em processos interactivos, em que, necessariamente, sejam respeitados o direito de propriedade e a vontade dos Proprietários Rurais, dos Produtores Florestais, dos Agricultores e das Populações em geral. E, desde logo, para gerar maiores dinâmicas de entre as quais o ânimo dos proprietários e produtores florestais para meterem mãos à obra da reflorestação. E, claro, para se antever alguma compensação económica a quem avançar com cuidados ambientais a basear um mais correcto ordenamento florestal. 

Eis, pois, uma muito difícil tarefa que exige uma acção concertada e sistemática – preferencialmente não-coerciva perante as Populações – da parte das Entidades Públicas a envolver, incluindo as Autarquias. Ou seja, para se trabalhar sistematicamente, terá que haver fortes apoios públicos, específicos, também para tais Entidades, incluindo para funcionamento, no terreno, das Organizações de Agricultores e de Produtores Florestais. Enfim, poder-se-á contestar esta opinião com o argumento do despesismo público ou congénere, mas a questão é altamente estratégica e sob múltiplos pontos de vista pelo que dinheiro público devidamente aplicado neste âmbito sê-lo-á por uma causa vital, portanto…

Aliás, e face já à experiência transcorrida, temos a convicção que, sozinhas no terreno, as Pessoas não vão lá desde logo, e repete-se, porque o interior do País está sem Gente.

São pois necessários apoios e outros estímulos constantes e motivadores para proporcionar mais ânimo, mais iniciativa e, ainda assim, vão ficar expostos grandes “buracos” sem árvores (re)plantadas o que poderá justificar intervenções públicas mais directas embora igualmente bem ponderadas.

Sim, é preciso definir objectivos estratégicos com prioridade para o social e para o ambiental – o que não é contraditório com a necessidade de garantir maiores rendimentos – para assegurar a ocupação dos territórios de forma harmoniosa, para garantir melhor futuro às Gentes Rurais.

Ora, não é assim que têm andado “as coisas” e do lado institucional – Governo – Assembleia da República – Presidência da República – maior parte das Autarquias – parece que não há vontade política para mudar o essencial, o que é muito preocupante.

Ao mesmo tempo, a Floresta surge cada vez mais como sector estratégico. Não só como fonte de rendimentos e de PIB – o que, todavia, será sempre de ter em conta – mas também como ambiente, oxigénio, sequestro de carbono, recurso natural, em suma como fonte de vida.

Por tudo isso, e por mais ainda, a luta continua!

Coimbra, Outubro de 2020