2020-10-13

Carta Aberta da CEVC aos Deputados ao Parlamento Europeu sobre a reforma da PAC

A Coordenadora Europeia Via Campesina (CEVC), da qual a CNA é filiada, enviou uma Carta Aberta aos Deputados ao Parlamento Europeu sobre a reforma da PAC em contexto de votações das propostas legislativas da PAC pós 2020 prevista para o dia 20 de Outubro.

 

Bruxelas, 12 de Outubro de 2020

Caro Membro do Parlamento Europeu,

Após mais de dois anos da apresentação da proposta de reforma da PAC pós 2020 – dois anos em que quase não se registaram progressos na definição da posição do Parlamento Europeu e do Conselho – parece que entrámos numa nova fase de "estado de emergência" em que o objectivo é encerrar as negociações de reforma o mais rapidamente possível, a todo o custo.

É evidente para a Coordenadora Europeia Via Campesina (CEVC) que esta pressa em fechar as negociações é o resultado do receio sentido por aqueles que defendem a actual situação da PAC, relativamente às mudanças que poderiam ser feitas à reforma da PAC em resultado do debate sobre o Pacto Verde, a Estratégia Do Prado ao Prato e a Estratégia de Biodiversidade.

Vendo para onde vai o debate no Parlamento Europeu e no Conselho, a CEVC tem expectativas muito baixas em relação à reforma em curso. Receamos que, para além de renacionalizar a PAC, seja uma continuação das reformas anteriores, mantendo a actual concentração de subsídios (que irá continuar a actual deterioração dos preços de produção). Isto é combinado com uma política comercial orientada para o mercado mundial, o que significará que os agricultores continuarão a constituir um dos sectores mais pobres da sociedade europeia, com rendimentos que são 50% inferiores ao resto da sociedade. A actual reforma não evitará nem resolverá o desaparecimento de milhares de explorações agrícolas por ano, o envelhecimento da população agrícola, a desertificação das zonas rurais, a intensificação dos modelos de produção e a consequente deterioração da qualidade dos alimentos e o impacto negativo no ambiente, entre muitos outros problemas.

Para a CEVC, é evidente que o Parlamento Europeu está a aproximar-se da definição da sua posição. Quando se trata dos regulamentos da Organização Comum de Mercado (OCM), a posição do Parlamento tem o potencial de melhorar as propostas da Comissão Europeia. Contudo, no que diz respeito ao Regulamento do Plano Estratégico da PAC, a posição do Parlamento apenas enfraquece as propostas, já de si pouco ambiciosas, da Comissão Europeia. Isto é ainda mais evidente no que diz respeito aos instrumentos que exigem uma melhor distribuição dos subsídios do primeiro pilar da PAC.

Não compreendemos a preocupação com os cerca de 2% dos beneficiários da PAC que recebem cerca de 30% das ajudas do primeiro pilar e que seriam negativamente afectados pela aplicação destes instrumentos. As medidas facilitariam uma melhor distribuição das ajudas, são motivadas pelo valor social que podem representar e poderiam aliviar a injustiça que existe: actualmente, 80% dos beneficiários da PAC recebem apenas 20% da ajuda total, e cerca de 40% dos agricultores europeus que não beneficiam de qualquer tipo de ajuda, apesar de serem igualmente prejudicados pelo cumprimento de mais regras e por uma política de preços baixos na produção.

Não compreendemos a posição que emergiu da anterior COMAGRI, rejeitando uma redução da parte dos pagamentos directos recebidos acima dos 60.000 euros por exploração e limitando a redistribuição que poderia resultar da aplicação de limites nos subsídios (plafonamento) e dos pagamentos redistributivos a 10% do orçamento nacional.

É neste contexto, e num esforço final, que a CEVC solicita a sua atenção para os seguintes 6 aspectos principais:

- Regime da Pequena Agricultura: a decisão da anterior COMAGRI de colocar uma ajuda máxima de 1250 euros por beneficiário deve ser revertida;

- Plafonamento e pagamento redistributivo: a decisão da anterior COMAGRI de limitar a um máximo de 10% do total dos orçamentos nacionais para o primeiro pilar da PAC e de retirar o apoio gradualmente decrescente aos beneficiários que recebem entre 60.000 e 100.000 euros de pagamentos directos por ano deve ser revertida. A obrigação dos Estados-Membro aplicarem medidas de plafonamento deve ser reafirmada.

- Regimes ecológicos (eco schemes): Doravante, os modelos de produção sustentável pré-existentes, tais como a agroecologia (que se enquadra na definição dada pela FAO) e a agricultura biológica devem ser integrados em regimes ecológicos sem requisitos de introdução de novas práticas. Da mesma forma, é essencial que modelos super-intensivos (como a agricultura inteligente ou de precisão) que são totalmente insustentáveis sejam retirados dos Regimes Ecológicos, mesmo que introduzam algumas práticas mais amigas do ambiente;

- Definição de hectares elegíveis: A manutenção de terras em boas condições agrícolas não deve ser considerada suficiente como uma actividade mínima, a menos que a área seja integrada numa prática de rotação;

- Condicionalidade social da ajuda: A condicionalidade social da ajuda deve ser implementada, tornando obrigatório para os beneficiários o cumprimento da legislação laboral em vigor e, em caso de infracções graves, permitir a retirada das ajudas;

- Regulação pública: É essencial apoiar todas as iniciativas que surjam, a fim de integrar a regulação pública obrigatória no regulamento da OCM, em caso de distorções graves nos mercados agrícolas.

 

Atenciosamente,

José Miguel Pacheco Gonçalves

Membro do Comité Coordenador da CEVC

Em nome do Comité Coordenador da Coordenadora Europeia Via Campesina