2020-10-09

O 'boi do Povo' está coxo, cego e já lhe preparam o abate

Por Laura Tarrafa

Remetermo-nos aos primeiros episódios de violência contra o “boi do Povo” obrigar-nos-ia a retroceder muitos anos. Desta feita, admitamos que, pelo menos, na presente legislatura, o “boi” que é de todos, o do Povo, já se encontrava profundamente cansado, sem forças e sem reacção aos ataques mais ferozes.
Mas o “animal” ainda respira, isto é, ainda temos um Ministério da Agricultura.
No início da legislatura começou a coxear. O primeiro grande ataque à instituição de nome Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, foi a queda das últimas palavras e o consequente esvaziamento das competências.
A tentativa de “desmanche” acelerou a transferência das Florestas para a alçada do super (hiper?) Ministério do Ambiente e Acção Climática, aprofundando uma visão pretensamente “conservacionista”, dificultando a vida a quem precisa de continuar a produzir, apesar do mercado esmagar os preços à produção numa floresta que sempre foi e é o mealheiro da Agricultura Familiar. Em contra-ciclo, os grandes dividendos caem nos bolsos dos do costume, os que já decidem o preço a que podemos vender as nossas boas produções, o que devemos e podemos comer e agora também lucram com o ar que respiramos… É ou não é isso, na prática, o apoio à segregação de carbono (dinheiros públicos), a ambição de ganhar muito dinheiro no mercado de carbono (o ar que respiramos visto tal qual o de Wall Street) a que corresponde tão bem um Roteiro de Neutralidade Carbónica amarrado a percentagens de redução marteladas em especial à custa de um sector sumidouro de carbono: a Agricultura e a Floresta?
Um Ministério da Coesão Territorial, que parece ser feito à medida dos “colectivos” locais criados em todo o território com uma romantização do que é rural (ex. turismo, ecoturismo, agroturismo) e com uma preocupação centrada nas questões transfronteiriças (que não são menores) do que com a produção agrícola e florestal nacional, a actividade económica por excelência que fixa pessoas e recria círculos económicos locais e mais justos.
A polémica retirada de competências à Direcção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), respondendo às instâncias momentâneas, e até emocionais (legítimas), em detrimento da confiança numa instituição histórica, com trabalho de centenas de técnicos de cuidado com a alimentação do Povo Português permitindo a confiança e a tão desejada segurança alimentar.
Quando rebentou a “bomba” do medo (que a todos tocou), os agricultores não deixaram as terras por amanhar, mas tiveram muita dificuldade em vender com o encerramento (e muito tardia abertura) dos mercados e feiras locais. Um verdadeiro crime contra as populações e os agricultores. É aqui que se colhem os frutos e se prepara o futuro com a aquisição dos factores de produção… Sim, os agricultores são, pela sua natureza, visionários… A tutela fechou os olhos, considerando a grande prioridade a distribuição, a Grande Distribuição. Nada de novo.
Cegar o “boi” foi o mais recente golpe. Cega porque não tem perspectiva, falo da Estratégia para a Recuperação Económica de Portugal 2020-2030, em que, importa referir, o “Social” caiu pelo caminho até à Consulta Pública, nada refere relativamente à importância da Agricultura Familiar e da concretização do seu Estatuto, instrumento central do fortalecimento da Agricultura que respeita a natureza, os recursos naturais, a cultura e as tradições de cada região, mantêm as pessoas nos territórios e produz alimentos de qualidade para as populações contribuindo para a nossa Soberania Alimentar, tornando-nos mais capacitados para dar resposta às diversas crises semelhantes ou outras que se avizinham.
Importa lembrar: o “boi” é do Povo, está coxo e cego, mas será sempre aquilo que a Lavoura Nacional organizada precisa indicando o caminho e marcando o passo. Porque a Lavoura exige e sabe fazê-lo. Exige um Ministério da Agricultura estruturado, com recursos humanos e materiais e uma visão para a política agrícola e alimentar nacional.