2024-02-06

O serviço público da silvopastoricia: uma questão de justiça e de sustentabilidade para os baldios

A silvopastorícia há muito que é reconhecida pelos seus benefícios. Tal só é possível porque ao longo desse tempo, desenvolveram-se raças autóctones de bovinos, ovinos e caprinos adaptadas e resilientes às particulares condições destas montanhas, o que as torna únicas na capacidade de prosperar com recursos forrageiros marginais, contribuindo para a utilização eficaz de áreas marginais ao mesmo tempo que libertam as áreas agrícolas privilegiadas para culturas mais especializadas e contribui para uma multiplicidade de funções ecossistémicas que incluem, entre muitos, manutenção de uma comunidade vegetal diversificada e o aumento a fertilidade do solo até 20%, contribuindo para a infiltração da água e reduzindo o risco de erosão em até 50%, beneficiando directamente a produção agrícola.

O pastoreio tradicional de percurso contribui para um sequestro eficaz do carbono no solo, reduzindo as emissões de gases com efeito de estufa e contribuindo para a mitigação das alterações climáticas ao estabilizar os microclimas locais mediante a redução da temperatura até 2° C e o aumento da precipitação até 10%. Ao manter áreas abertas e evitar o desenvolvimento excessivo da vegetação, a silvopastorícia pode reduzir o risco de incêndios florestais em até 80%, regulando o ciclo da água para recargar as reservas de água subterrâneas.

Ao promover uma multiplicidade de espaços e estruturas da vegetação, proporciona ainda habitat para polinizadores, dispersores de sementes e outros organismos benéficos, assegurando o vigor geral dos ecossistemas e paisagens de montanha. Apesar dos benefícios ambientais significativos que proporcionam, as práticas tradicionais de pastoreio não têm sido reconhecidas nem compensadas.

Pese embora alguns aspectos da produção de carne e leite recebam apoio financeiro, os serviços ambientais mais amplos, esses permanecem em grande parte por monetarizar e ressarcir.

Esta falta de reconhecimento não é apenas uma injustiça para os pastores e comunidades de montanha que obtêm os seus meios de subsistência destas práticas, mas é também uma oportunidade perdida para investir na gestão sustentável dos nossos recursos naturais.

É o caso do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP), entidade responsável pelos pagamentos dos subsídios agrícolas, que vem adotando políticas que ameaçam a sustentabilidade destas práticas tradicionais de pastoreio. Ao retirar, inexplicavelmente, das áreas elegíveis para os subsídios à produção animal tradicional as áreas arbustivas com altura superior a 50 centímetros e as áreas florestais cujo sobcoberto é pastoreado, o IFAP está efectivamente a desincentivar o pastoreio naquelas áreas onde, precisamente, estas práticas são mais efectivas, e mesmo essenciais à prestação de serviços ecossistémicos. Esta decisão afecta de forma desproporcionada os pastores e os criadores silvopastoris, e ainda é agravada em 50% para aqueles que exploram e prestam esses serviços ambientais nas terras de propriedade e gestão comunitária: os baldios.

Os baldios são frequentemente caracterizados por extensões arbustivas e arbóreas, o que as torna essenciais para a prestação efectiva de serviços ecossistémicos. No entanto, as políticas do IFAP estão efectivamente a retirar estas áreas de consideração, privando os pastores e criadores dos incentivos económicos de que necessitam para continuar as suas práticas tradicionais. A perda das práticas tradicionais de pastoreio é particularmente preocupante dado o risco crescente de incêndios florestais no norte do País. Estes incêndios, muitas vezes alimentados por vegetação rasteira e arbustos densos, causam danos generalizados aos ecossistemas, perturbam a biodiversidade e ameaçam a vida humana e a propriedade. Sem o pastoreio tradicional de percurso, aumenta a densidade da vegetação arbustiva e sobcoberto, aumentando a disponibilidade de combustível para os incêndios.

As actuais políticas do IFAP não só prejudicam a gestão sustentável da montanha, como também contribuem para o aumento do risco de incêndios florestais, sendo imperativo reconhecer e valorizar os serviços ambientais prestados pelas práticas tradicionais de pastoreio. Face aos crescentes desafios ambientais que enfrentamos, o pastoreio tradicional oferece uma solução sustentável e eficaz. Ao reconhecer e apoiar estas práticas, podemos salvaguardar os nossos recursos naturais, proteger a biodiversidade e assegurar um futuro mais resistente e sustentável para as nossas comunidades. Para isso, o IFAP deve rever e inverter as suas políticas de apoio à prática continuada da silvopastorícia, especialmente em áreas críticas para a prevenção de incêndios florestais. É já tempo para os decisores políticos considerarem o desenvolvimento de novos mecanismos para compensar os pastores e criadores pelos valiosos serviços ambientais que prestam.

 

Assim, exige-se que o IFAP:

  • Não discrimine as terras e as comunidades dos baldios relativamente aos restantes produtores dos sistemas tradicionais de pastoreio: a silvopastorícia;
  • Amplie as áreas elegíveis para os subsídios ao pastoreio, incluindo as áreas de arbustos com altura superior a 50 centímetros e as áreas florestais cujo sobcoberto é pastoreado.
  • Aumentar os valores dos subsídios ao pastoreio, de forma a compensar os pastores e criadores pelos serviços ambientais que prestam.

Só a adopção destas medidas contribui para garantir a sustentabilidade das comunidades dos baldios que asseguram o pastoreio tradicional e garantem os seus serviços ambientais à sociedade.

 

A Direcção do SBTMAD

Fevereiro de 2024

 

COMUNICADO (PDF)